Todos nós precisamos de um eixo

Letícia Arcanjo
2 min readJul 25, 2023

No mundo antigo, era comum que as religiões tradicionais tivessem, cada uma, seu axis mundi. O eixo central, a pedra angular que fundamentava a criação do mundo e indicava seu centro

Em algumas sociedades tribais de nômades, como os Achilpa, da Austrália, existe o mito de um ser divino que moldou um poste sagrado a partir de uma árvore de goma, ungiu-o com sangue, subiu nele e desapareceu nos céus.

Esse poste sagrado tornou-se o axis mundi dos Achilpa. Eles o levam consigo para todo lugar, usando-o como referência não só para tomar decisões de ordem prática, mas como o eixo do seu próprio cosmos. Assim, não importa onde estejam, estarão sempre no “centro” do seu mundo e em contato com o céu.

Nós, cristãos, também temos um axis mundi para chamar de nosso: a Pedra da Fundação, uma rocha localizada no topo do Monte Moriá, local onde o Senhor ordenou que Abraão sacrificasse seu único filho, Isaque.

O homem, sendo um ser religioso por natureza, precisa dessa base cósmica para sustentar sua existência no mundo. Precisa não só dentro da mitologia religiosa, mas para si mesmo, na sua própria psique.

O problema é que, com a modernidade, começamos a nos afastar, lentamente, de todas as concepções simbólicas da existência.

Passamos a viver em cidades caóticas e completamente desordenadas, sem a mínima diferenciação entre espaços sagrados e profanos.

Abandonamos os rituais de passagem. As práticas tradicionais de artesanato, plantio, caça… Achamos que isso nos traria a liberdade de sermos o que quiséssemos, mas acabamos totalmente perdidos, sem ter a mais vaga ideia do que REALMENTE queremos.

Somos “livres” para não termos filhos, para não casar, para nos comportar como adolescentes até os 30 anos, para trocar de ofício repetidas vezes, podemos trocar até de sexo…

E, ainda assim, lotamos os consultórios de psiquiatras e psicólogos para tentar resolver nossa falta de sentido, enchemos a cara todo fim de semana, tomamos tarja preta, inventamos uma nova doença mental por ano para tentar explicar nossas angústias.

Não estou criticando a modernidade, muito menos defendendo uma volta a um estado primitivo pré-tecnológico ou industrial; gosto demais do meu iPhone pra isso.

Mas o fato é que nós precisamos de um eixo. Precisamos do nosso próprio axis mundi. E buscamos isso de todas as formas possíveis, na religião, na ideologia política, no time de futebol, no veganismo…

A falta desse eixo causa todo tipo de neurose, de ansiedade e medo. O Iluminismo falhou nesse ponto. Somos muito menos racionais do que acreditamos.

É engraçado, não é? Saímos das cavernas, mas as cavernas nunca saíram de nós. Por mais tecnológicos que sejam nossos iPhones.

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Letícia Arcanjo

Existem mais coisas entre o homem e a compra do que sonha a nossa vã filosofia.